terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Descobri, finalmente, por que tenho inveja do meu cachorro.


Descobri, finalmente, por que tenho inveja do meu cachorro.
Ao leitor: sou meio lento em perceber as verdades da vida, embora seja esforçado.
Eu, volta e meia, me reviro na cama, com o travesseiro repleto de pensamentos e preocupações, um despertador macio e incômodo.
Ele não.
Dorme o sono dos anjos sem os demônios inerentes à condição humana.
Bem que eu gostaria de dormir assim, sem me lembrar que, ao despertar, terei contas a pagar, compromissos a cumprir.
Ser feliz, então?
Para mim, utopia.
Para ele, basta um cafuné fortuito, gratuito.
Seu rabinho abana de felicidade por ter a que se tem e ser o que se é.
Eu não. Quero sempre ter mais e ser o que ainda não fui.
Ele mantém as quatro patinhas assentadas no chão.
Eu tropeço em minhas ilusões e enfio as mãos pelos pés.
Me produzo para sair, escolho roupas e perfumes.
Ele está sempre pronto.
Sexo? Ele vai lá e pimba, tchau, tchau. Freudianamente irresponsável.
Eu misturo amor e sexo e me ferro. Sem contar a aberração do casamento.
É grato pelo que lhe dou, sejam petiscos ou olhares.
Meu coração junta-se com a cabeça e decidem a quem devem abanar o rabinho. Um processo bem complicado e exaustivo.
E o que dizer de sua inata resiliência? Essa capacidade maravilhosa de aceitar limites físicos ou ambientais?
Meu cachorro, pela idade avançada, praticamente não enxerga mais nada.
Mas usa o olfato e vai em frente.
Eu só de ter de trocar o grau dos óculos, já faço aquele drama mexicano.
Ele não fica lambendo a ferida cicatrizada.
Eu estico e cultivo o sofrimento.
Ele vive a vida.
Eu temo a morte.
Ele é um animal.
Eu esqueço que também sou.
Ulisses Tavares

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