quarta-feira, 27 de junho de 2012

A gente vai reunir aquele punhadinho de problemas, sentar na sala do nosso peito e esparramar no chão como quem tenta montar um quebra-cabeça juntos sem olhar o desenho na capa da caixa.

 
Por tanto amor a gente resolveu que vai morar um dentro do outro. Mas numa casa espaçosa com um quarto para cada individualidade. A gente quer que seja preservada essa pessoa que somos com nossos amigos e todas as lembranças mais especiais da nossa trajetória. A gente quer que nosso amor não preencha a nossa vida tão absolutamente a ponto de não restar uma lacuna que seja pra nossa vida anterior e pros potenciais que temos que desenvolver solitariamente. (Como quando a gente tinha tempo livre pra ser só e gostava disso.Como quando a gente não respirava apenas essa novidade da chegada do outro).
Nesse quarto pras nossas visitas, só não é permitida a entrada de fantasmas. De resto, todos os nossos convidados e aprendizados são muito bem recebidos. Depois a gente até pode escolher se compartilhará ou não. E por essa liberdade de escolha, a gente sempre tem vontade de compartilhar.
Por tanto amor a gente resolveu também que qualquer coisa que doesse um pouquinho ia ser conversada antes que doesse um montão.E que quando isso acontecesse, não ia ocorrer de cada um entrar no seu quarto espaçoso e deixar a porta trancada só pra assustar o outro. A gente vai reunir aquele punhadinho de problemas, sentar na sala do nosso peito e esparramar no chão como quem tenta montar um quebra-cabeça juntos sem olhar o desenho na capa da caixa. Porque a gente sempre vai querer descobrir a raiz da paisagem pra ela ser mais bonita. A gente quer conhecer profundamente a folha antes de compor a árvore. Porque a gente sabe que pular etapas é um jeito ineficiente de resolver o x da questão. (A vida não aceita o resultado do problema sem o desenvolvimento da fórmula).
Por tanto amor, desde que a gente foi morar um dentro do outro, nossa vida foi ampliada de alegrias sinceras. Eu ontem, por exemplo, estive muito só. Mas era porque eu não queria compartilhar coisas que não entendia. Eu existo além dele. Tinha um jeito de a vida entrar em mim tão diferente que precisei de todo o silêncio pra obter aquilo. Porque sou muito apegada às minhas inexperiências_ eu fico curiosa pra saber no que elas vão se transformar. Não quero macular o que é tão interior, pessoal e intransferível, assim como quem não quer mostrar a letra da música sem a melodia pronta. E ele estava na sala quando entrei no quarto pra tatear minhas confusões. E, em silêncio, ele respeitou meus barulhos mentais. E teve que suportar nossa rede na varanda tão vazia de nós dois, mas só por alguns instantes, ele sabia.
A nossa casa é ampla pra caber nossas individualidades, nossas lembranças, nossos amigos, nossos silêncios e tudo que estamos e o que podemos nos tornar juntos.Por tanto amor a nossa essência é a parte mais preservada da casa.
Marla de Queiroz

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