domingo, 10 de abril de 2011

Um homem demora muito tempo a fazer-se. Não somos como aqueles passarinhos que se soltam na imensidão dos céus pouco tempo depois de terem visto a luz.



Um homem demora muito tempo a fazer-se.
Não somos como aqueles passarinhos que se soltam na imensidão dos céus pouco tempo depois de terem visto a luz.
Trazemos em nós uma semente que demora a germinar, que gasta nessa tarefa muitos anos de agitação e silêncio. É assim, decerto, porque está destinada a dar um fruto muito maior que o do pássaro.
Temos, sem dúvida, uma alma: raciocinamos, temos sede de conhecer, somos capazes de amar e de escolher.
Um animal come necessariamente, se tiver fome e o alimento estiver ao seu alcance.
Um homem, nas mesmas circunstâncias, pode não o fazer. Porque, por exemplo, resolveu fazer dieta. Ou porque escolheu dar o seu alimento a outro que tinha mais fome do que ele. Tem a possibilidade de viver de acordo com outros critérios.
Há muitos séculos que chamamos alma a esse "não sei quê" que faz parte de nós e nos permite viver num plano superior ao das coisas simplesmente materiais. É como se possuíssemos uma espécie de asas.
Sabemos apreciar um sofá confortável, um sono reparador, um bom bife com batatas fritas. Mas precisamos de mais do que isso.
E damos por nós a perguntar "porquê?", ou a discutir idéias. E descobrimos que há qualquer coisa - não feita de células ou moléculas - que nos comove e nos atrai numa paisagem, num gesto de heroísmo, num poema, na música.
Há uma beleza e um bem que não são feitos de nada que se possa tocar. Que não estão nas coisas, embora as coisas nos levem a eles. Aquilo que é apenas material - acabamos sempre por o descobrir - sabe a pouco e não nos enche as medidas. Mas leva tempo a chegar aí.
Leva tempo até percebermos, por exemplo, que existe uma paz que não é a paz das coisas, mas sim uma harmonia interior que resulta de um comportamento correto. E que é esse o gênero de paz que nos interessa; que não nos basta aquela paz que é feita somente de ausência de vento ou de guerra.
Um homem tem de crescer não apenas corporalmente. Deve atingir uma envergadura que ultrapassa em muito o âmbito das coisas materiais. Deve fazer-se... homem.
É um caminho já de si longo. Ainda por cima, cometemos com frequência a burrice de termos medo de ganhar asas. De largar um pouco esses outros bens - menores, mais baixos, mais... animais. É olhar e ver como muitas vezes nos afadigamos correndo atrás da posse de bens materiais e dos prazeres que não são senão para o corpo e de que também gostamos. Ter, gozar, curtir, comprar, comprar... Ter, ter, ter.
Mas sucede que o ter e o comprar e o curtir - usados de um modo exagerado, como fazemos - nos atrasam. Perdemos tempo.
Quem vive obcecado com a posse de prazeres e bens materiais não tem acesso aos prazeres da alma. Passa ao lado do bem e da beleza e do amor. Porque escolheu um nível para a sua vida - o mais cômodo - e escolher uma coisa é sacrificar as outras. Não é possível alcançar o topo da montanha e, simultaneamente, permanecer deitado à sombra lá em baixo.
Portanto, apressemo-nos. Pois, como escreveu o poeta, ter é tardar...


Paulo Geraldo

Nenhum comentário:

Postar um comentário