quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Esconderijo conjugal..


No livro Monogamia, do psicanalista Adam Philips,

há um trecho em que ele diz que o esconderijo mais aconchegante

é a quele em que conseguimos esquecer do que estamos nos

escondendo. E conclui: " Formamos casais porque é impossível

se esconder sozinho".

O casamento como esconderijo.

Eu nunca havia pensado nisso.

Uma pessoa avulsa é uma pessoa com a sua solidão

escancarada, é uma pessoa que necessita fazer contatos

e explicar quem é, o que faz, do que gosta.

Uma pessoa sozinha é visada, está exposta, julgam que

ela tem mais tempo, está mais disponível, uma pessoa

sozinha, não tem onde se esconder.

Já duas pessoas juntas escondem-se das fantasias e

do julgamento alheio, se escondem da sua própria vulnerabilidade

e dos seus segredos, duas pessoas juntas protegem-se

oficialmente, mesmo sem ter consciência de que sua

união também é isso, um esconderijo.

A sociedade costuma cobrar relações amorosas

daqueles que escolheram viver sozinhos, ou que

estão sozinhos por contigência do destino.

Os solitários, os ermitãos, os donos da própria vida

são tratados como se estivesse à margem, mas são

casados os verdadeiros excluídos, porque

uma vez cumpridores de uma expectativa social,perdem

seu potencial para surpreender, não chamam mais a atenção,

passam apenas a ser fazedores de filhos e de dívidas,

consumidores de imóveis de três dormitórios e carros utilitários

de viagem. Dentro do casamento, julga-se que há duas

pessoas realizadas, completamente a salvo da angústia

existencial, da carência afetiva, dos traumas de infância, da

insanidade, do vicío e dos ímpetos - imagine, ímpetos: casais

jamais ousariam fazer algo sem pensar, sem conversar muitas

vezes antes, durante e depois do jantar.

A solidão, que sempre pareceu nos proteger, na verdade nos

coloca no centro das atenções, permite que coloquem

o dedo nas nossas feridas.

Já o casamento nos tira da prateleira, nos resguarda,

nos escondem tão bem e tão sem alarde que

agente nem percebe que está escondido.

Martha Medeiros

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