quinta-feira, 29 de abril de 2010

Adeus

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastamos as mãos à força de as apertarmos,
Gastamos o relógio e as pedras da esquina em esperas inúteis.


Meto as mãos na algibeira e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro:
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.


Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
De que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inúltil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.


Adeus


Eugênio de Andrade

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