terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

VENHA LOGO... por favor!

Eu tenho procurado por você faz tanto tempo... Acho que tenho procurado você por toda a minha vida.

Não sei que fim levou você, ou em que planeta se escondeu, porque eu sei que você existe e que está do mesmo jeito que eu — buscando por mim, sem saber direito que existo e que estou aqui, esperando por você

Só sei que, de repente, fiquei cansada e desisti de aceitar da vida o que ela tinha pra me oferecer e, por causa disso, os últimos anos foram muito difíceis. Agora parece que acordei abruptamente, e quando olhei em volta, percebi que o mundo havia se desabitado de verdade e que as pessoas estavam cada vez com mais e mais pressa de passar e não deixar marcas. E não consegui mais contato com ninguém que se aventurasse a ir além de arranhar a superfície pra procurar através daquilo que parece, e não é.

Já tenho quase cinqüenta anos e ainda estou à sua procura, e, se passar mais outro tanto sem você chegar, juro que vou enlouquecer. É por isso que preciso que você venha logo, entende, pra gente tentar ser feliz enquanto é possível respirar, pra que a gente possa caminhar por aí dividindo alguns sonhos e, ainda que não tenha muitos, prometo que ajudo a sonhar os seus, porque nesse tempo de esperar por você nem tenho mais dado conta de ter meus próprios sonhos.

Eu sei como você é e que gosta de madrugada e de dia de sol, e também que não vai se importar se, vez por outra, eu falar baixinho, pedindo que me dê a mão para eu poder dormir porque preciso me sentir amparada no meu sono; e que não vai se incomodar de ser muito amado, nem se sentir desconfortável quando eu disser "eu te amo" mais do que é permitido no manual da boa moça, porque, afinal, não sou nem boa, nem moça... Sou uma mulher querendo muito dizer “eu te amo” pra você.

Quero mesmo é respirar e sentir o seu hálito quente em meu rosto, e seus dedos alisando, de mansinho, as rugas que se formarem em volta dos meus olhos quando eu sorrir, dizendo bom-dia, porque sei que o dia que começar com sua cabeça no travesseiro ao lado, com certeza só poderá ser bom, infinitamente melhor que os dias em que acordo e amontôo os travesseiros para que a cama não pareça assustadoramente vazia, como tem parecido nestes últimos anos.

Ah, e quero rir... E rir de qualquer bobagem que seja, porque houve um tempo em que meu riso tinha um valor imensurável e fazia parte do meu charme, e eu sei que em algum lugar de mim ele ainda existe à espera de espaço para fluir e se fazer presente... Quero sair de dentro de mim sem medo de não ser aceita nem compreendida porque, quando você conhecer a mim, vai me amar do mesmo jeito que eu vou amar você. E, então, meu riso vai brotar de dentro de mim, pra você.

Eu fico aqui pensando que você deve ter se cansado de me procurar e ficou assim, que nem eu, perdido nesse marasmo; mas ainda tem jeito de você chegar porque, afinal, ambos estamos tanto tempo à procura um do outro mesmo, que nada melhor que nos encontremos de uma vez. Então, desça desse planeta quase extinto e veja se chega pro café da tarde, mas não espere que tenha bolo de fubá na mesa, pois preciso confessar a você que não sei cozinhar, nem fiar, nem bordar, nem fazer essas coisas todas que ensinaram a você que as moças prendadas faziam.

Por outro lado, tenho meus encantos. Faço um silêncio pra lá de especial, sei caminhar macio e parecer invisível, quando necessário, e também adoro jornal espalhado pela casa, ainda que dividido em seções possa parecer mais civilizado. E farelos... sou doida por farelos por todos os lados e não dou a mínima se tiver roupa atirada por aí, contanto que você aqueça meus pés nas noites frias de inverno.

Pensando bem, preciso também dizer a você que, nestes anos em que está demorando pra chegar, adquiri alguns hábitos não muito saudáveis, como, por exemplo, comer fora de hora e nunca à mesa, dormir tarde e acordar mais tarde ainda... Mas tenho certeza de que podemos ajustar os relógios e encostar nosso tempo de ser feliz, e eu até prometo abrir mão dos farelos, se você precisar dormir em um lençol impecavelmente esticado; e embora odeie futebol, prometo nunca perguntar que graça tem vinte e dois bonequinhos correndo atrás de uma bola. Nessa hora, vou estar na cozinha vigiando o microondas estourar pipocas pra você.

Não sei porque você ainda não despencou dessa árvore onde pendurou sua desesperança, mas eu torço que você esteja escorregando dela e que caia direto nos meus braços abertos à sua espera, pois aí nós vamos poder dançar descalços pela vida por um bom tempo ainda, já que o amor rejuvenesce e revigora a gente e, afinal, que importa se nossas idades somadas perfazem mais de um século, quando há toda uma eternidade à nossa espera?

Eu sei que você existe e está apenas esperando que eu lance à sua praia a garrafa com o fatídico bilhete amarelado pelo tempo, dizendo: "Venha me buscar." Mas acho que você também perdeu a esperança, pois tenho mandado meu navio atracar seu porto todos os dias, e você nunca está lá.

Outras coisas preciso lhe contar: é que meus cabelos agora estão brancos, e eu os pinto pra disfarçar; mas aí, fico pensando que não deve ter lá tanta importância porque, com certeza, se você tiver os seus, ainda, serão brancos também; e isto me faz lembrar que se, por acaso, você tomou cerveja demais ao longo da vida eu não vou me incomodar que isto tenha lhe dado barriga, desde que você não se importe que eu não possa mais andar de minissaia.

Ah, tem coisa à beça que quero lhe contar desse tempo de esperar por você, mas prefiro que seja baixinho no seu ouvido, pois alguns pecadinhos ditos em voz alta podem parecer maiores; por outro lado, a gente pode fazer um pacto de silêncio e começar tudo outra vez, e criar um tempo novo, onde sejamos apenas eu, você e mais nada.

Agora, eu acho que fotografias de netos vão acabar aparecendo, de um jeito ou de outro e, nesse caso, é bom que você saiba que, embora avó, tenho muito da menina por quem você tem procurado pela vida afora. Ainda há luzes nos meus olhos, minha boca continua macia e eu sinto que quando você me tocar as sensações da adolescência e da primeira vez vão estar todas ali, do jeito que você espera.

Olha eu aqui! Mesmo que eu não seja exatamente como você me criou em sua imaginação, quero que compreenda que passaram anos desde que você começou a me procurar. Por isso, procure enxergar além de mim mesma, através da roupa que me veste, do corpo que me cobre a alma, e descubra a mim, aquela que sou na minha essência e que tem estado todo esse tempo à sua espera.

Ah, esqueci dizer-lhe uma última coisa: pode chegar a qualquer hora, viu, porque qualquer hora é hora de chegar... E você vai ser muito bem-vindo quando, então, abrir a porta e habitar meu mundo, e nossas solidões puderem se alisar até se diluírem no calor do nosso abraço. E, depois disso, nunca mais seremos sós. E ficaremos finalmente em paz.
Maria Tereza Albani*

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